A difícil arte de escutar

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Em geral não gostamos muito do trabalho de pensar. Emitimos nossas opiniões com base em modelos mentais que já possuimos, com um emaranhado de conceitos e paradigmas e assim vamos avaliando a vida, as pessoas e os acontecimentos. A PNL – Programação Neuro Linguística possui um conceito interessante, que retrata bem isso: nós temos o mapa e não o território. O que vemos da realidade é como um mapa e precisamos aceitar isso. Porque não é o território em si. A nossa percepção não é a realidade, por mais que esteja coerente ou não com ela. Tanto é assim, que às vezes acertamos em nossas avaliações e às vezes erramos, mesmo tendo certeza absoluta do que estávamos dizendo.

Mas, é mais fácil ficar emitindo opiniões e dando nossos palpites, com base em nossos próprios paradigmas. Por isso é tão difícil escutar as pessoas. Somos péssimos ouvintes. Em geral, ouvimos pensando no que queremos falar em seguida. Começamos a tamborilar os dedos, ficamos inquietos, quando alguém está falando demais, porque somos mais emissores do que receptores. Posso arriscar a dizer que você nunca parou para entender o modelo mental da outra pessoa, mas, teve muita facilidade em aconselhá-la, de acordo com os seus próprios conceitos a respeito da vida. Mesmo que seja do tipo calado, você não está ouvindo devidamente o outro indivíduo, porque tem um filtro em sua cabeça formado pelas suas próprias ideias e convicções. E agimos e falamos conforme esse mapa que temos dentro de nós, para nos guiar.

E o que é pior: insistimos neles, mesmo sabendo que provavelmente o outro possua a sua própria versão do território. Pais insistem nos mesmos conselhos de sempre para os filhos e assim os perdem em determinados momentos da vida. Maridos e mulheres nos mesmos modelos mentais antigos e limitam seus diálogos optando pelo silêncio, whats app`s, notebook`s e televisões. O que até aparentemente diminui o índice de conflitos. Gerentes são desastrosos em seus pronunciamentos, enquanto funcionários sabotam a eles mesmos em termos de desenvolvimento pessoal. E filhos optam por aquilo que não é bom para seus futuros e por aí vai o nosso fracasso como comunicadores, por não sabermos como ouvir devidamente, antes de nos fazer entender.

Nosso cérebro possui caminhos preferenciais, conhecidos como sinapses. Em geral percorremos em nossa forma de pensar as mesmas conexões cerebrais de sempre. E isso vai formando nosso modelo mental, ou seja, o nosso mapa com que avaliamos a vida – o território. Por isso é difícil mudar um hábito. Nosso cérebro tende a percorrer o mesmo caminho todos os dias, nos dando um padrão comportamental e uma linha de pensamentos sem variações. Mudar um comportamento requer de nós o esforço de percorrer novas sinapses, ou seja, parar para decidir diferente, quando nosso cérebro prefere nos deixar no piloto automático. Decidir novas atitudes exige o mesmo esforço mental de pensar utilizando outras conexões cerebrais.

Galileu Galilei foi no século XVI um grande físico, cientista e astrônomo. Entrou para a história quando tentou convencer o papado romano de que a Terra é que girava em torno do Sol e não ele em torno da Terra, como pensava a Igreja Católica. Não foi o inventor do telescópio, apesar de que, engenhosamente criou um tubo com lentes côncavas, que desenvolveu, com a ideia de prosperar na aristocracia italiana, dando ao governo a possibilidade de ter um instrumento que pudesse visualisar invasão de fragatas inimigas a quilômetros de distância. E de fato caiu nas graças do rei. Aliás, os nobres e artistas da época queriam ver através do telescópio de Galileu, que estava sendo a “sensação” das festas promovidas pela realeza.  Estava tudo bem até aí e parecia que sua vida tinha finalmente encontrado o rumo da prosperidade e seguiria naquela direção.

Mas, tudo mudou quando resolveu apontar seu instrumento para o céu. Ele enxergou algo que mudou seus paradigmas mais íntimos. Viu as luas de Júpiter e concluiu que elas não giravam em torno da Terra assim como o Sol. E começou a desconfiar que tudo girava em torno do Sol. O heliocentrismo, que seu predecessor Copérnico havia citado anos antes, seria o conceito real e não os modelos mentais religiosos da época. Sua mente mudou naquele dia e seus propósitos também. Convicto, passou a defender a sua tese de que o universo girava em torno do Sol e não da Terra. E sofreu duras repressões do poder romano político e religioso da época, chegando a ficar enclausurado por isso. E na clausura ampliou suas ideias deixando informações sobre o movimento dos corpos ao cairem do espaço. Com isso, ele mudou o mundo, porque deixou as bases para as futuras ideias de Isaac Newton, sobre a física que governa o universo.

A mudança que ocorreu quando Galileu apontou as lentes de seu telescópio para o céu, e não para o oceano é emblemática. Chega uma hora na vida em que precisamos mudar a direção de nossas lentes. É a hora da mudança de paradigmas, para construir relações melhores, nos comunicar com mais liderança e aceitar que nosso mapa não é mesmo o território. Por outro lado, possui coisas boas a serem aproveitadas, se melhorarmos nossa capacidade de ouvir para podermos ampliar nossa capacidade de convencer. Quando ouvimos e entendemos o modelo mental do outro e o convencemos disso, o primeiro passo para uma relação de confiança é dado, para juntos, encontrarmos caminhos alternativos, que evitem decisões prejudiciais. Isso é ser líder em casa, no trabalho e na vida.

Ah, ainda precisamos ressaltar um detalhe: Galileu também não acertou 100% em sua ideia. Realmente o Sol não gira em torno da Terra. Mas, convenhamos que dizer que o universo girava em torno do Sol também foi um tanto quanto exagerado. Mas, afinal de contas, ele tinha o mapa e não o território. O detalhe é que seu mapa já havia sido um avanço e tanto em relação ao que vigorava na época. Mas, para variar, os donos da verdade não quiseram ouvi-lo. E Galileu também não soube como comunicar devidamente “batendo de frente” com o poder religioso, tamanha era sua convicção.

Pense nisso essa semana e sucesso!!!